Será possível tratar a coceira de forma adequada em um futuro próximo?

fevereiro, 2024 Artigo

Redação: Dra. Elizabeth Soares Fernandes, Téc. Maickel B. Delwing  

Edição: Dr João Batista Calixto, Dra. Nara Lins Meira Quintão Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe, Faculdades Pequeno Príncipe, INCT-INOVAMED, Centro de Inovações e Ensaios Pré-clínicos-CIEnP, Universidade do Vale do Itajaí 

Quem nunca sentiu uma coceira na vida? Aquela sensação irritante que sentimos quando somos picados por um inseto? A coceira pode ser desencadeada não somente por picadas de insetos, levando a uma resposta temporária e automática do nosso organismo, mas também se encontra associada a causas adjacentes como problemas hepáticos ou renais, certos tipos de câncer, infecções virais e doenças auto-imunes. A coceira pode se tornar uma resposta crônica associada com diferentes doenças da pele incluindo psoriase, eczemas e prurido nodularis. A qualidade de vida dos pacientes acometidos com coceira crônica é muitas vezes menor do que os com dor crônica, com muitos indivíduos não sendo capazes de descansar devido a intensidade e frequência da sensação. 

O que é a coceira e quais são seus mecanismos? Inicialmente, a coceira foi definida como uma forma leve de dor. Hoje sabemos que apesar de compartilharem alguns mecanismos em comuns, a dor e  a coceira são respostas orgânicas diferentes. 

Os mecanismos da coceira aguda são bem compreendidos, sendo a histamina e seus receptores, centrais a esta resposta. Neste caso, mediante um estímulo como a picada de um inseto, a histamina é liberada à partir de células presentes na pele, conhecidas como mastócitos. Uma vez liberada, a histamina se liga em seus receptores (H1 e H4) localizados na membrana celular dos neurônios que inervam a pele, fazendo com que um “sinal” de coceira seja enviado ao cérebro. 

Já os mecanismos da coceira crônica são bem mais complexos. De fato, somente em 2007, foi identificado um receptor “especializado em coceira” denominado receptor para o peptídeo liberador de gastrina expresso em neurônios da medula espinhal. Desde então, uma série de outros receptores com função semelhante tem sido descritos. Estes incluem receptores acoplados à proteína-G relacionados à Mas (Mas-related G-protein-coupled receptors) encontrados em neurônios sensoriais da pele. Ainda, mediadores inflamatórios (mensageiros químicos) liberados por células imunes na pele como as citocinas IL-4, IL-13 e IL-31 podem se ligar aos neurônios ativando-os e assim, induzir a coceira.

Como a coceira é tratada atualmente? Os quadros de coceira aguda normalmente são controlados com anti-histamínicos – medicamentos que bloqueiam a interação da histamina com seu receptor H1. Ainda, pomadas de corticóides, imunosupressores e biológicos como o dupilumabe – anticorpo anti-receptores para IL-4 e IL-13 – são utilizados no tratamento da coceira crônica. Em alguns casos, medicamentos de ação central como gabapentina e pregabalina podem ser utilizados. 

O que esperar dos novos estudos para o tratamento da coceira crônica?  Diversos medicamentos têm sido investigados como opções de novas terapias para o tratamento da coceira crônica, incluindo novos produtos e novas aplicações para produtos já utilizados em outras doenças. Exemplos de novas terapias incluem o anticorpo anti-receptor para IL-31 (nemolizumabe) e o inibidor de receptores acoplados à proteína-G relacionados à Mas tipo 2; e medicamentos utilizados em outras doenças como os inibidores de quinases upadacitinibe e abrocitinibe,  

Estas terapias trazem a promessa de uma melhor qualidade de vida para os indivíduos que sofrem com coceira crônica e a expectativa é que sigam o exemplo do dupilumabe (Dupixent→, comercializado pela Sanofi Medley) o qual foi recentemente aprovado pela agência regulatória de medicamentos dos Estados Unidos (FDA) e apresentou após 24 semanas de tratamento, efetividade em 60% dos participantes do estudo e portadores de prurigo nodularis em ensaios clínicos de Fase 3. No Brasil, o dupilumabe foi aprovado pela ANVISA para o tratamento da dermatite atópica moderada a grave, sendo vendido por cerca de 11 mil reais a dose de 600 mg. 

Referências:

Sun YG, Chen ZF. A gastrin-releasing peptide receptor mediates the itch sensation in the spinal cord. Nature. 2007 Aug 9;448(7154):700-3. doi: 10.1038/nature06029.

Dong X, Dong X. Peripheral and Central Mechanisms of Itch. Neuron. 2018 May 2;98(3):482-494. doi: 10.1016/j.neuron.2018.03.023.

Bader M, et al. MAS and its related G protein-coupled receptors, Mrgprs. Pharmacol Rev. 2014 Oct;66(4):1080-105. doi: 10.1124/pr.113.008136.

Al Hamwi G, et al. MAS-related G protein-coupled receptors X (MRGPRX): Orphan GPCRs with potential as targets for future drugs. Pharmacol Ther. 2022 Oct;238:108259. doi: 10.1016/j.pharmthera.2022.108259.

Mrgprx2 Antagonist Program: EP262: Redefining The Treatment Of Mast Cell-Mediated Disorders. https://www.escientpharma.com/programs/mrgprx2/

Reich K, et al. Efficacy and safety of abrocitinib versus dupilumab in adults with moderate-to-severe atopic dermatitis: a randomised, double-blind, multicentre phase 3 trial. Lancet. 2022 Jul 23;400(10348):273-282. doi: 10.1016/S0140-6736(22)01199-0.

Thyssen JP, et al. Upadacitinib for moderate-to-severe atopic dermatitis: Stratified analysis from three randomized phase 3 trials by key baseline characteristics. J Eur Acad Dermatol Venereol. 2023 Sep;37(9):1871-1880. doi: 10.1111/jdv.19232.

DUPIXENT (dupilumabe)- ANVISA. https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/medicamentos/novos-medicamentos-e-indicacoes/dupixent-dupilumabe-nova-indicacao-3

FDA approves first treatment for prurigo nodularis. https://www.fda.gov/drugs/news-events-human-drugs/fda-approves-first-treatment-prurigo-nodularis

Ruzicka T, et al. Anti-Interleukin-31 Receptor A Antibody for Atopic Dermatitis. N Engl J Med. 2017 Mar 2;376(9):826-835. doi: 10.1056/NEJMoa1606490.

Orfali RL, Aoki V. Blockage of the IL-31 Pathway as a Potential Target Therapy for Atopic Dermatitis. Pharmaceutics. 2023 Feb 8;15(2):577. doi: 10.3390/pharmaceutics15020577.