Análise proteômica do líquido cefalorraquidiano e plasma levam à descoberta de perfis distintos de risco genético para a doença de Alzheimer e de proteínas preditoras de demência.

abril, 2024 Sem categoria

Redação: Dra. Morgana Duarte da Silva1,2; Dr. Eduardo Buozzi Moffa3
Edição: Téc. Maickel B. Delwing2, Dra. Nara L. M. Quintão2,4, Dra. Elizabeth S. Fernandes2,5,6; Dr. João B. Calixto2,7
1Universidade Federal de Santa Catarina; 2INCT-INOVAMED; 3University of Saskatchewan; 4Universidade do Vale do Itajaí; 5Faculdades Pequeno Príncipe; 6Instituto de Pesquisa Pelé Pequeno Príncipe; 7Centro de Inovações e Ensaios Pré-clínicos-CIEnP.

A Doença de Alzheimer (DA) é um transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal considerado como a principal causa de demência no mundo. A DA é caracterizada por deterioração cognitiva e da memória, além de comprometimento das atividades diárias. Estima-se que cerca de 55 milhões de indivíduos no mundo sofrem de demência, com casos associados à DA ultrapassando a marca de 30 milhões de indivíduos. Indivíduos com DA apresentam placas amiloides – também denominadas placas senis, emaranhados de proteína tau hiperfosforilada no cérebro, além de degeneração de neurônios colinérgicos; contudo a fisiopatologia da doença é ainda pouco entendida. Assim, diversos estudos têm focado na busca de marcadores biológicos específicos da DA, bem como em desenvolver ferramentas e tecnologias para detecção precoce destes. Estes estudos têm sido fundamentais para o melhor entendimento das vias de sinalização e alvos moleculares relacionados à DA, aprimorando a compreensão de sua heterogeneidade e complexidade, fundamentais para a descoberta de novos alvos terapêuticos e desenvolvimento de novas terapias mais eficazes para seu tratamento. Recentemente, um grupo de pesquisadores do Alzheimer Center Amsterdam e colaboradores, publicaram um estudo com 606 indivíduos (187 indivíduos controles – pessoas com cognição normal e com marcadores amiloides normais, e 419 pacientes com DA com pelo menos um marcador amiloide anormal) submetidos à análise proteômica por espectrometria de massa em amostras de líquido cefalorraquidiano (LCR), a fim de identificar possíveis marcadores moleculares para a detecção precoce da DA. Ainda, um segundo estudo também recente, realizado por Guo e colaboradores demonstrou que proteínas plasmáticas começam a sofrer alterações cerca de 10 anos do aparecimento dos primeiros sintomas de demência, e sugerem o monitoramento destas para predição da doença. Ambos os estudos foram publicados na revista internacional Nature Aging.

Mas o que é proteômica? A proteômica estuda a distribuição, quantidade, modificações, interações e funções de uma ou mais proteínas em células, tecidos e fluidos do organismo. Estas proteínas em momentos e condições específicas constituem o proteoma, presente em todos os organismos. Ao contrário do genoma, que representa o conjunto completo do material genético de um organismo (DNA), o proteoma representa as moléculas funcionais que estão diretamente envolvidas nos processos biológicos. Assim, o genoma fornece o plano para a síntese de proteínas, e o proteoma reflete o estado real das atividades e funções celulares.
Um exemplo que facilita entender as diferenças entre genoma e proteoma é o da “lagarta e borboleta”. A lagarta e a borboleta apresentam o mesmo genoma, porém, após a metamorfose da lagarta em borboleta, apesar de apresentarem o mesmo genoma, as proteínas expressas na borboleta são diferentes das da lagarta. A análise proteômica, então, permite o estudo em larga escala do proteoma, com o objetivo de caracterizar e quantificar todas as proteínas presentes em uma amostra biológica utilizando diferentes técnicas. Desta forma, entender o proteoma é crucial para elucidar os mecanismos moleculares subjacentes a processos fisiológicos e estados de doença, facilitando a descoberta de novos biomarcadores, alvos terapêuticos e estratégias de tratamento personalizadas para uma ampla gama de doenças.

Por quê avaliar amostras de LCR e plasma em pacientes com AD? O LCR é o fluido mais acessível para estudar a complexidade de doenças neurodegenerativas como a DA uma vez que está em contato próximo com o cérebro, e suas concentrações de proteína refletem os processos fisiológicos e patológicos do cérebro. O plasma também contêm proteínas que poderiam retratam as alterações cerebrais da doença.

O que os estudos de proteômica indicam em pacientes com DA? A análise proteômica do LCC permitiu a identificação de 5 subtipos distintos de proteínas nos pacientes portadores da DA: i) hiperplasticidade neuronal (subtipo 1) – proteínas associadas à processos de plasticidade neuronal aumentada; ii) ativação imune inata (subtipo 2) – proteínas relacionadas à uma resposta imune exacerbada; iii) desregulação do RNA (subtipo 3) – proteínas associadas ao RNA e processos de proteostase; iv) disfunção do plexo coroide (subtipo 4) – proteínas envolvidas na disfunção do plexo coroide e inflamação; e v) comprometimento da barreira hematoencefálica (Subtipo 5) – proteínas relacionadas à integridade da barreira hematoencefálica. Nestes estudos, os autores associaram os subtipos de DA a fatores de risco genéticos distintos. De forma importante, os subtipos de DA diferiram nos resultados clínicos avaliados (demência e dano cognitivo), nos padrões anatômicos de atrofia do córtex cerebral e nos tempos de sobrevivência, ressaltando a relevância clínica dos achados de proteoma.
A análise proteômica de plasmas de indivíduos depositados em um biobanco britânico (UK Biobank), por sua vez, indicou que proteínas deste fluido sofrem alterações pelo menos uma década antes do aparecimento dos primeiros sintomas de demência. O estudo analisou amostras de pacientes homens e mulheres adultos (~58 anos de idade) que não apresentavam demência, e acompanharam os exames por uma média de 14 anos. Destes, 1.417 pacientes apresentaram demência entre 5-14 anos pós início do estudo. As proteínas identificadas com níveis plasmáticos alterados nestes pacientes foram proteína glial fibrilar ácida (GFAP), neurofilamento de cadeia leve (NEFL), fator de diferenciação de crescimento 15 (GDF15) e proteína 2 de ligação beta do fator de crescimento de transformação latente (LTBP2). As proteínas GFAP e LTBP2 foram consideradas as mais específicas para demência, sendo GFAP a mais importante preditora de demência em amostras de plasma.

Ambos os estudos demonstram, sem dúvida, como a análise de proteômica pode contribuir para melhorias na predição e diagnóstico, e para avanços no tratamento clínico da DA. A heterogeneidade molecular observada na DA e a detecção precoce de proteínas associadas à doença apontam para a importância da medicina personalizada em pacientes com a DA. Assim, estudos clínicos futuros com o objetivo de (re)analisar o proteoma para determinação do impacto dos subtipos de DA e a resposta ao tratamento são de grande valia, e podem vir a contribuir fortemente para a escolha de tratamentos terapêuticos e preventivos mais eficazes e com menores efeitos colaterais, levando-se em conta cada subtipo da DA, bem como o estágio de desenvolvimento da doença.

Referências:

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